Em tempos difíceis como os que estamos passando, a vontade de vislumbrar um pouco de alívio faz-se urgente. Talvez por isso, produções fofinhas, chamadas “feel good”, estejam em alta. Elas fazem a gente se sentir bem. Dão aquele quentinho no coração. Como eu sempre fui muito otimista na vida real, nunca liguei para esse tipo de filme ou série. Meu “lugar feliz” no entretenimento tem crimes e investigações de sobra. Ou seja, de vez em quando eu sintonizava em algo água com açúcar e esquecia tudo em seguida.
Isso até assistir Heartstopper.
Porque olha.
É uma das coisas mais lindas que eu já vi nessa vida.
A série, lançada há duas semanas pela Netflix e com 8 episódios em sua primeira temporada, não deixa de ser uma comédia romântica teen como tantas outras. Só que aqui, finalmente, um garoto conhece… outro garoto.
Charlie Spring (Joe Locke) é um rapaz tímido em uma escola só para meninos na Inglaterra. Gay assumido, foi vítima de bullying até pouco tempo atrás. Seus melhores momentos são vividos junto de um grupo de fiéis amigos: Tao Xu (William Gao), o mais próximo deles, sarcástico e engraçado, o caladão Isaac (Tobie Donovan), sempre hipnotizado por um livro qualquer, e Elle (Yasmin Finney), adolescente trans que mudou-se para um colégio só de garotas.
Tudo se transforma quando Charlie volta do feriado de Natal e conhece Nick Nelson (Kit Connor), um simpático jogador de rugby. A atração é imediata, pelo menos da parte de Charlie. Aos poucos, eles viram inseparáveis, até mesmo companheiros de esporte. O crush aumenta. Surge um flerte. Seria aquele melhor amigo um novo amor?
Nos outros núcleos, a história continua a se desenvolver. Em sua nova escola, Elle tem dificuldades de adaptação até tornar-se confidente de Tara Jones (Corinna Brown) e Darcy (Kizzy Edgell), casal da mesma idade que praticamente acaba de se assumir. Tao começa a sentir ciúmes do melhor amigo, que agora só tem olhos para o crush. Mais drama à vista.
Charlie, sofrendo com essa paixonite que provavelmente não tem futuro, ainda tem que lidar com Ben Hope (Sebastian Croft), um ex que nunca quis assumi-lo e agora quer destruir suas chances de ser feliz com outro rapaz. Nick, confuso sobre a própria sexualidade, não tem ninguém para desabafar. Falta coragem até para conversar com a compreensiva mãe, uma participação rápida e certeira da rainha Olivia Colman.
Já que eu não quero dar nenhum spoiler, concluo aqui meu relato. Assistam para saber mais.
O que eu posso comentar sem estragar as surpresas diz respeito às qualidades técnicas da produção.
A começar pelo elenco, composto basicamente de estreantes (Kit Connor é uma exceção). O grupo é apaixonante, com destaque para Joe Locke e William Gao, gratas surpresas.
Em termos de roteiro, é tudo contado com muita sensibilidade. Fizeram bem escalar a autora das graphic novels na qual a série é baseada, Alice Oseman, para também assinar os scripts.
A trilha moderninha, bem indie e melancólica, aliada a uma qualidade estética visual bem ao estilo Tumblr completam a experiência.
A série pega todos os clichês do gênero e os abraça, sem medo de ser feliz.
Beijos na chuva, DRs que chegam a ser fofas e um clima de romance lúdico marcam a produção.
Nós, LGBTQIAP+’s, precisávamos disso tanto que eu nem sabia.
Talvez o que tenha mais me tocado foi o fato de que esse é o programa que eu gostaria de ter assistido quando era adolescente, época em que gays na TV eram apenas motivo de piadas ou de curiosidade antropológica.
Chega me deu uma invejinha dessa nova geração, que aparentemente é tão melhor resolvida em questões importantes como orientação sexual e identidade de gênero. Mas, ao mesmo tempo, fiquei também muito feliz por essa turma poder ser quem é de maneira mais fácil do que eu, dos que vieram antes de mim. Melhor assim. Em tempos tão difíceis, o romance de Charlie e Nick me encheu de esperança.
Heartstopper seria perfeita se eu tivesse 15 anos. Mas o efeito dela, na verdade, foi me transformar de novo em adolescente aos 36: um rapaz gente boa e meio perdido na vida que ainda acredita no amor acima de todas as coisas.
Créditos das imagens: Cromossomo Nerd, Moyens I-O, EWWNews, Twitter e Netflix.